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Entrevistas

Entrevista: Inoutside

Muito se fala do momento que o rock tem vivido, rejeitado pela indústria musical, esquecido pelos jovens e pela mídia e como essa fase tem refletido até mesmo no cenário underground. O que pode soar confuso já que a gente que vive nesse submundo da música nunca deu a mínima pra indústria.

O fato é que sobra pra todo mundo, até mesmo pra saudade. E se tem uma banda atual que me faz lembrar de toda essa fase MTV Rock Brasil, é a Inoutside. Não só me faz lembrar, como também acende aquela esperança de que o rock br possa voltar a ser da juventude no fundão do ônibus, da garotada na pracinha com o violão, da galera camisa preta no fundo da sala.

Anime seu coração, bons dias barulhentos estão por vir.

Ei gente, como vocês estão? Pra começar gostaria que falassem sobre vocês e o começo da banda, como se deu tudo até hoje. Sobre a relação Vitória/Juiz de Fora e como essas duas cidades têm influenciado os caminhos da Inoutside.

Mariana: Bom, a banda como ideia surgiu lá em 2012, da cabeça de uma Mariana de 15 anos que se juntou com meros conhecidos com o interesse comum de fazer música. Que tipo de música, ainda era um mistério haha.

Saía de tudo: de Bruno Mars a Paramore, cada um trazendo seus interesses, ainda que tão divergentes. A maioria era adepta do rock (como eu) e, com o tempo e com várias pessoas saindo e entrando na banda, ela se fixou como um power trio em 2017, e aí as coisas começaram a caminhar num mesmo sentido.

Eu e meus grandes amigos Remy e Sofia, todos naturais da grande Vitória, começamos a escrever o que a Inoutside viria a se tornar. Eu e Remy viemos morar juntos em Juiz de Fora pra estudar na UFJF, e Sofia fazia essa ponte entre as duas cidades. Shows em JF e em Vitória, gravações em Vitória e mixagem em JF: estava feita a ponte. A banda viveu essa desafiadora dinâmica até 2019, quando os interesses de todos seguiram caminhos diferentes e a banda quase se desfez, sobrando apenas eu que vos falo.

Confesso que quase me desesperei, pois não queria deixar esse sonho morrer. Chamei amigos músicos para me acompanhar nos shows ainda pendentes, e foi em decorrência desses últimos shows, quase desesperançosos, que surgiu a primeira esperança.

Um dos organizadores do API, festival em São João Nepomuceno (MG), me apresentou quem viria a ser a nova dona dos graves da Inoutside: grandessíssima Duda Gielo. No mesmo intervalo de tempo, um amigo me apresenta a Leticya pelo Twitter (vejam só). Aproveitei e marquei um teste conjunto e foi a coisa mais linda do mundo haha. Na primeira música que tocamos já parecia que ensaiávamos há anos, foi emocionante e nem pestanejei: tomava forma a nova e alinhada Inoutside, em dezembro de 2019.

Gosto de dizer que foi quando renascemos, porque nunca antes haviam tantos interesses em comum, nunca antes fizemos tanto sentido. A ponte com Vitória, ES agora sou apenas eu, que, em um cenário pós-pandêmico, pretendo garantir que sejamos cada vez mais presentes na cena do rock capixaba.

Musicalmente, vocês se definem como hard rock alternativo e se permitem criar em cima de outras vertentes, como é o caso da versão da Letrux que vocês fizeram lindamente. Quais são as influências da banda na hora de criar e como é esse processo? Vocês sentem que já criaram uma identidade musical ou ainda é um caminho a percorrer?

Duda: As nossas influências continuam abrangendo vários estilos musicais. Apesar de termos o rock como um “norte”, a música pop também é muito presente no nosso cotidiano. Nós acreditamos que música boa vai além de definições de gênero e sempre tentamos pegar o melhor de cada estilo para criar o nosso próprio.

Sentimos hoje, com os arranjos do nosso primeiro álbum de estúdio já prontos (e em processo de gravação), que criamos, sim, uma identidade e estamos muito felizes com o resultado. Não medimos esforços para colocar o melhor que tínhamos em cada uma das músicas e fizemos tudo com muito carinho. Queremos que todos sintam isso quando ouvirem nosso álbum.

Vamos falar sobre clipes. O primeiro contato que tive com vocês foi pelo clipe da música Run (que por sinal é foda!) e me fez lembrar da importância dos clipes pra cena rock alternativa/independente no Brasil nos anos 2000, MTV. Por algum motivo a gente perdeu esse contato com todo esse lance do audiovisual, justo no momento do boom, né? Tanto que outros cenários musicais têm usado bastante. Enfim, como vocês veem isso tudo? É possível e necessário esse resgate? Aproveitem e contem um pouquinho de como foi o processo de produção do clipe.

Mariana: Começando pelo final, o clipe de Run foi uma grande aventura. Confesso que a maioria de nós (se não todos) não sabia muito bem o que estava fazendo, mas fomos com fé, vontade e muitos voluntários haha.

Foi tudo feito sem nenhum orçamento e muito improvisado. Por sorte tivemos o apoio da UFJF, que disponibiliza equipamentos para projetos dos estudantes dos cursos de Artes e Cinema, como eu. O pessoal foi uma porção de amigos e colegas de curso animados o suficiente pra embarcar na aventura.

Escrevemos o argumento do clipe em cima da ideia original de uma dessas colegas, a Monique Oliveira, adaptamos e trabalhamos arduamente pra que pudéssemos estrear nosso rosto nas plataformas digitais. Afinal, como apontado acima, os clipes têm, há décadas, uma grande e importante participação na divulgação e na criação de uma identidade artística ao redor do mundo inteiro.

Com o crescimento da internet, e tendo seu boom nos anos 2000, graças à MTV, o videoclipe se tornou o principal portfólio da música popular. Basicamente, se você não tem trabalhos audiovisuais, é bem mais difícil notarem que você existe. Vê-se tanto quanto escuta-se, ou até mais.

Com isso em mente, mais a vontade de criar nossa própria identidade, que investimos nosso suor na criação de Run. A nova fase da Inoutside, entretanto, promete muito em relação ao conteúdo audiovisual como um todo, e não apenas videoclipes. Pra quem se liga na importância desse tipo de produção, sugiro que não perca nossos próximos lançamentos hehe.

Foto por Pedro Soares

Em 2018 vocês tocaram na Porca Fest e no mesmo ano quase entraram no cast do festival da Laja Records, por votação. Como é pra vocês, uma banda de hard rock, tocar em evento punk? Vocês percebem diferenças e semelhanças entre um show de rock “normal” e um show punk? De público, de estrutura, de expectativas. E como foi essa experiência da Porca Fest?

Mariana: O Porca Fest foi o máximo! Muitíssimo divertido em todos os aspectos. Fomos muito bem recebidos, num geral.

O festival contou com outras apresentações fora do punk, como a falecida Miêta, que trazia um rock bem progressivo e ótimo pra viajar assistindo. Ao mesmo tempo, tivemos os shows clássicos de punk da Whatever Happened to Baby Jane e Errática, por exemplo, nos quais o público ia à loucura nas rodinhas: pulava e se empurrava como ninguém, independente do calor de dezembro.

A gente ficou ali no meio, tivemos todo tipo de recepção do público, de rodinha a coro, do jeito que a gente gosta, e acho que foi justamente essa “mistureba” toda que fez o festival ser divertido como foi!

Quanto ao quase do Laja Fest, acredito que esse distanciamento do punk talvez tenha sido o fator determinante pra não termos, de fato, entrado na lista do festival, mas o quase já me deixou bem feliz. É bom saber que nosso som é capaz de agradar várias vertentes do rock, porque é justamente delas que nós nascemos.

Aproveitando que falei dos shows aqui em Vitória, e como parte da banda também é daqui, queria falar um pouco sobre o rock ES. Aqui sempre foi um Estado com uma movimentação do rock muito grande, do metal, hardcore ao rock e misturas com o regional. Dia D, Festival de Alegre, as dezenas de festivais com banda mainstream de fora, o underground no Entre Amigos. E aos poucos tudo foi se perdendo sem ninguém entender o porquê. Como vocês veem esse processo todo que aconteceu aqui? Vocês acham que foi algo parecido no Brasil inteiro ou aqui teve algo em especial? O quanto essa oscilação de mídia e público afetou na vontade de montar banda e investir em uma carreira musical?

Mariana: A verdade é que pegamos pouco essa mudança. Quando, de fato, consolidamos uma presença no ES, já havia uma certa estabilidade de desvalorização do rock, eram poucos os lugares que se propunham a organizar um evento exclusivo de rock e, quando havia, era difícil adentrar a “panelinha” (principalmente de indie rock e masculina) que dominava os poucos eventos que se via. Era muito uma questão de estar na moda, a meu ver (e machismo, claro), e isso muda com muita facilidade ao longo dos anos.

Entretanto, ainda tínhamos representações com uma base forte, como a própria galera da organização do Porca Fest, que atuavam como uma certa resistência ao mainstream e abrem espaço para bandas como nós, e dessa forma não permitindo que as outras vertentes do rock perdessem sua relevância.

Ser uma banda só de mulheres, agora, traz mais alguns desafios que antes não precisávamos ultrapassar. A cena ainda é bem machista, independente de qual vertente do rock, e quando entramos nas listas, é quase como cota, e isso nós pretendemos mudar ativamente e permear cada vez mais espaços da cena do rock capixaba.

Assistindo o minidoc Voices (que está disponível no canal do Youtube da Inoutside) e vendo a história da Paola, dá um calorzinho no coração, né! Queria que vocês contassem como foi esse encontro e a importância dele <3

Duda: Nós conhecemos a Paola no nosso primeiro show com a nova formação e foi quase como um sinal de que estávamos no caminho certo. Ela ficou bem na frente do palco, pulou, dançou, passou uma energia incrível pra gente. No final ela e a mãe vieram falar com a gente e então descobrimos que foi o primeiro show de rock dela.

Nós três crescemos com uma maioria esmagadora de referências masculinas e, quando você não se enxerga em quem te inspira, fica fácil pensar em desistir. Então ver ela toda animada, curtindo o nosso som e, na primeira experiência dela, vendo mulheres no palco, não só no vocal, mas também nos instrumentos, foi muito gratificante e esperançoso.

Nós queremos inspirar gerações mais novas que compartilham do mesmo sentimento pela música, queremos mostrar para as meninas que elas podem fazer o que elas quiserem, podem pegar um instrumento e serem ótimas com ele, serem elas mesmas, livre de qualquer julgamento.

O caminho é longo, mas se nós conseguirmos contribuir o mínimo que seja na vida de meninas como a Paola, então vai valer muito a pena!

Foto por Pedro Soares

Quais são os próximos passos da banda? EP novo, algum single, clipe? Imagino que deve ser um desafio manter uma banda ativa, com perspectivas, nesse cenário de pandemia. Mas quais são os planos pra esse ano?

Lets: No momento, nós estamos trabalhando no nosso primeiro álbum. Já gravamos os instrumentos, para em seguida pegar nas vozes. A gente está muito empolgada com o que está vindo por aí e doida para lançar logo, mas isso deve acontecer mais no final do ano.

Eu, particularmente, nunca tive essa experiência de estúdio antes da Inoutside, de construir músicas do zero, de criar as partes da bateria, e sempre parece que é um sonho pensar que estamos colocando uma coisa nossa no mundo, algo que vai ficar eternizado, de certa forma.

A pandemia atrasou um pouco esse processo, que tinha começado em janeiro/fevereiro de 2020. Fizemos uma pausa, voltamos a ensaiar quando foi possível, tentando manter a segurança nesse momento, e entre outras pausas e voltas, tivemos um “gás” de maio para cá e resolvemos focar na produção do álbum.

Já temos duas músicas em mente para serem lançadas como single – com videoclipes -, mas estamos esperando o cenário da pandemia melhorar para conseguirmos tirar essas ideias do papel, considerando que precisaremos de bastante gente trabalhando nesse processo. Mas, se tudo der certo, vamos conseguir lançar ainda esse ano ou, ao menos, no primeiro trimestre do ano que vem.

Muito obrigado, gente! Se tem algo que não comentei e queiram falar, fiquem à vontade. Que tudo isso passe o quanto antes pra gente ver um show de vocês por aqui! <3

Lets: A pandemia teve muitos efeitos negativos, em especial, para a classe artística. Por mais que temos a tecnologia ao nosso favor, ela não substitui o calor do público te vendo e ouvindo tocar ao vivo, cantando ali com você. Não vemos a hora disso tudo passar para podermos voltar aos palcos logo, em Juiz de Fora, em Vitória, e onde mais quiserem a gente.

Acho que vale o nosso agradecimento ao Bus Ride Notes por estar dando esse espaço para falarmos sobre nosso som e nossos projetos. Essa visibilidade dá uma força muito boa para artistas independentes.

E, se nos permite, queria aproveitar para convidar o pessoal para nos acompanhar porque, como falamos, logo teremos várias novidades. Mas enquanto elas ainda não vêm, temos músicas no Spotify e um material bem bacana no YouTube e nas nossas redes sociais para apreciar até lá 🙂