Bus Ride Notes
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O Hierofest poderia ser em qualquer lugar do mundo

Como sugere o título (entendedores entenderão), esse texto fala um pouco sobre o evento do último Domingo e também um pouco sobre toda a recente movimentação da cena independente no interior de São Paulo.

Não é novidade pra quem segue o Bus Ride Notes ou meu perfil pessoal nas redes sociais que um scene report aguça a minha curiosidade. Um dos projetos que mais gostei de ver o resultado final (mesmo que eu não houvesse colaborado) foi o podcast Recortes Sonoros, que fez um recorte histórico da cena underground sorocabana.

Essa resenha nem de longe tenta ser um recorte histórico, mas suas personagens requerem uma introdução.

Cidades grandes do interior causam uma confusão no meu cérebro: se por um lado elas possuem tudo, por outro lado a vivência é bem retrógada. Por mais que sejamos progressistas individualmente ou mesmo na coletividade, o ambiente onde estamos inseridos é maior.

Você pode ver um relato e uma descrição mais aprofundada na introdução dessa matéria e nessa entrevista. Começo falando sobre isso pra entendermos o contexto local.

Ribeirão Preto, em particular, é uma cidade que buga meu cérebro, pois o contraste é bem explícito. Ou eu só ainda não me acostumei a ver isso. O que você precisa saber é que é uma cidade de 712 mil habitantes no interior de São Paulo, conhecida nacionalmente como “a cidade do agro”.

Em 26 de maio, aconteceu a primeira edição d’O Hierofest, festival que visa apresentar novas bandas e celebrar aquelas com uma já conhecida trajetória no underground ribeirão-pretense.

Para mais contexto, O Hierofante surgiu há 10 anos, salvo engano, como uma pequena casa de shows que abrigava a cena punk. Ênfase no pequena, pois uma das minhas maiores lembranças é “como era tão pequena e ainda cabia tanta gente?”. Hoje o espaço não existe mais, é um nome que seus idealizadores levam em frente realizando eventos itinerantes entre discotecagens e shows.

Particularmente o espaço d’O Hierofante é uma vaga lembrança que me marcou por ter sido um dos primeiros eventos de “punk sujo” que fui no interior, algo que não era constante na época, pois Ribeirão, São Carlos, Marília e outras cidades mais próximas a mim onde havia uma maior movimentação da cena, ainda assim são longe das cidades onde morei.

Voltando ao Hierofest, não é uma frase de efeito dizer que o sentimentalismo tomou conta da noite, pois metade do lineup consistia de bandas emo. Primeiramente com gelatina de concreto, duo que lançou em abril seu EP de estreia e encarou o desafio de completar uma banda para sua primeira apresentação ao vivo.

O EP “(antes era) terapia na terça” reforça não só a cena emo brasileira, que teve inúmeros lançamentos do ano passado pra cá, mas também, mais especificamente, o emo caipira ou midpira emo, como apelidou Chococorn and the Sugarcanes, banda de Santa Bárbara d’Oeste, SP.

O segundo show da noite foi KbçaDBod e é um pouco difícil falar sobre a banda. Formado por veteranos da cena, o trio com synths, guitarra e vocal performático tem um show que é quase uma experiência, “um eletropunk bem bizarro” como vi alguém dizer. Você pode ouvir algumas músicas no split com a banda Chão Sujo, também de Ribeirão Preto.

O evento foi também o show de estreia do disco “Irritante Paz”, primeiro álbum do duo de screamo Módulo Lunar.

Se eu não soubesse das tecnicalidades que eles utilizam, minha primeira impressão seria de surpresa por aquele som robusto ser gerado por apenas duas pessoas. A banda explica isso nessa entrevista. Eles usam nos shows o mesmo equipamento utilizado nas gravações, o que gera uma reprodução fiel do disco, incluindo o fato de conseguirmos entender as letras claramente (até onde o screamo permite).

Abiosi foi formada em 2001 e seu show tem o que você espera de uma banda de trashcore: velocidade e um discurso politizado. Módulo Lunar chama a atenção pelo volume, mas Abiosi deixou todes com o ouvindo zunindo no dia seguinte.

Quando parei pra pensar no evento e escrever esse texto, me veio uma mistura de sentimentos, pois apareciam ao mesmo tempo na minha cabeça eventos recentes como o Uivo Cuir em Araraquara e outros distantes em cidades onde a cena atualmente se encontra quase parada.

O Hierofest foi um exemplo da história da cena independente de Ribeirão Preto. Foi divertido. Foi necessário.

Dito isso, a cena independente do país inteiro nunca esteve tão ativa (certamente devido às facilidades que a tecnologia proporciona), se você pesquisar é bem provável que encontre algo perto de onde você está. Pode ser também que você esteja, como eu estive por muito tempo, geograficamente isolade do mundo, mas se esse for o caso, um viva a internet, não é mesmo? Quem ainda tem coragem de dizer que “internet não é vida real” depois da pandemia, não entendeu nada.