Bus Ride Notes
Entrevistas

Entrevista: Módulo Lunar

Módulo Lunar é um duo de Ribeirão Preto, SP que se descreve como “post-hardcore muitas vezes instrumental”.

Em janeiro de 2023 eles lançaram o EP “Equinócio”, que consiste em três músicas que, por vezes, me remetem a inúmeras bandas que ouvi diariamente durante a maior parte da minha vida e acredito que você vai sentir o mesmo se acompanha o Bus Ride Notes, já que falamos majoritariamente sobre mundo indie-punk-emocore, que apesar de vasto (e muito), tem seus grandes nomes.

Ao convidar Módulo Lunar para uma entrevista, eu imaginei que iria conhecer a história da banda, mas a conversa acabou indo muito além disso (quase um scene report do screamo nacional).

Abaixo você lê sobre a banda, a cena de Ribeirão Preto, do Brasil e até de fora, sobre as comunidades que a cultura e a arte criam e também sobre seu primeiro álbum, “Irritante Paz”, que será lançado em Março.

Além disso, essa entrevista marca uma atualização em nosso Apoia.se: disponibilizamos o vídeo dela na íntegra como uma das recompensas. Já que inevitavelmente algumas coisas são perdidas na edição de vídeo para texto, vale a pena conferir essa conversa que durou uma hora e meia.

Vocês podem falar sobre a banda pra quem não conhece?

Pedro: Nós somos a Módulo Lunar de Ribeirão Preto, SP. Fazemos um som que o pessoal chama de pós-hardcore, alguns de screamo, rock alternativo, até o termo skramz, que é usado mais lá fora. É uma banda que foi se moldando a esse estilo.

Começamos como um quarteto de pós-rock instrumental e com mudanças de integrantes vimos a necessidade de furar a bolha do instrumental porque estavam acontecendo coisas do tipo “noite instrumental” e a gente tocava em lugares com pessoas sentadas e nosso som é um pouco mais alto, abrasivo, acabava que a gente não era pesado o suficiente para tocar com a galera do metal, nem muito erudito para tocar com a galera do jazz.

Acabamos ficando sem espaço e já era uma vontade nossa colocar um pouco de voz nos trabalhos. Quando colocamos, foi um gol que a gente fez.

Lucas: Nesse meio tempo também estávamos ouvindo muita coisa de math rock e screamo, de bandas ressurgindo, bandas dos anos 90. Queríamos tocar isso, porém estávamos presos em uma formação e setlist que não deixava explorar esses lados.

Pedro: Antes do Lucas entrar na banda as músicas duravam 10 minutos, era uma coisa bem experimental, longo. A entrada dele mudou um pouco a pegada, as músicas ficaram mais agitadas, intensas e, por consequência, mais curtas. Um instrumental curto começou a não fazer tanto sentido, e uma vez que começamos a experimentar com a voz, mais pessoas foram se interessando também.

E temos usando o elemento da voz com muita cautela, para não ficar uma coisa muito iêiêiê, de galera cantar junto ou de ter um refrão que fica colado na orelha ou de a gente socar goela abaixo uma mensagem.

Lucas: O jeito que escrevemos as letras é meio abstrato, jogado, sem nenhuma intenção, a não ser causar um estranhamento.

Pedro: Nós chamamos de fragmentos poéticos, são poesias feitas de palavras meio que soltas, você pode alterar a ordem e elas continuam a ter sentido. Já fomos abordados por pessoas na rua, às vezes em eventos que a gente nem tava tocando, o pessoal veio trocar ideia sobre as letras. No último show que fizemos, umas meninas vieram conversar dizendo que se identificaram muito com elas, então, deu super certo, né?

Então, recapitulando: começamos como um quarteto instrumental voltado pro post-rock, passamos a ser um trio e hoje somos um duo de pós-hardcore, screamo. A gente acumula muitas funções, mas não deixa de trazer nenhum dos elementos ao vivo.

Lucas: A gente entrega tudo, é até uma questão muito doida isso: por ser um duo, não soa como um duo, soa bem maior.

Sim, normalmente esse tipo de som você vê em banda com vários integrantes, né? Como que funciona ao vivo sendo duo?

Lucas: Eu até gostaria de falar que o Pedro é um grandessíssimo nerd das paradas guitarrísticas, então ele usa muitos elementos.

Pedro: Fomos nos adaptando aos acontecimentos. Não decidimos ser um duo, acabou acontecendo e a gente bolou uma solução.

Então sabendo que estamos em dois, pensei “Como é que fazemos isso sem perder a propriedade sônica da parada?”. Porque gravar, a gente senta ali, abre várias pistas, vai fazendo overlay… tudo é possível. Mas como é que a gente ensaia, como é que a gente toca ao vivo e não fica parecendo um som muito fino, faltando elementos?

O Lucas é um baterista que tem a mão muito pesada, então perdendo dois integrantes, ao longo do tempo eu precisei aumentar o tamanho dos amplificadores. O meu pedal board, em algum momento ali o sinal divide em dois, eu tenho um oitavador que faz simultâneo o que eu tô fazendo na guitarra e toca só a minha corda mais grave e oitavada, então eu tenho o som do baixo.

E com isso foi surgindo uma necessidade de sabermos quem mais faz isso, então fomos atrás de bandas que fazem algo semelhante, hoje conhecemos vários duos que fazem esse som.

E essas bandas são do Brasil, de fora, dos dois?

Pedro: A maioria é de fora.

Lucas: Mas eu até posso citar uma que me marcou muito, foi o Test. É diferente, mas também é em dois. Eles têm muitos elementos ali. Assistimos um show deles e foi muito massa, foi grande.

Pedro: Falando de bandas internacionais, eu sempre cito a Djunah, a DIM, que participou de uma compilação gringa com a gente, John, que assistimos aqui recentemente. Friendship Commanders também.

Lucas: Quando começamos a pesquisar, nos deparamos com um universo de duo muito grande, ainda mais dentro do som que gostamos de ouvir, essas paradas gritadas, sabe? A gente super se encontrou ali e começou a achar bandas que fazem um som muito semelhante ao que fazemos.

Pedro: E é legal porque duo tem isso: você vai no nas redes sociais e o pessoal tá mostrando o equipamento e como eles fazem as coisas, o pessoal pergunta muito como fazer o som em duas pessoas.

Lucas: E é até engraçado porque vamos amadurecendo nosso som e descobrindo jeitos diferentes de fazer ele. Recentemente trocamos o equipamento, o Pedro usava uma caixa 412 na guitarra e uma 210 no baixo. Conversando depois do ensaio falamos: “Por que você não usa dois falantes de 412 pra guitarra e dois pro baixo?”.

E aí a gente começa a experimentar e vai criando a nossa sonoridade. Temos referências, mas tem muita coisa que fomos aprendendo, descobrindo o que conseguíamos fazer dentro dos nossos recursos, dos equipamentos que estão disponíveis pra gente usar.

Então a mudança de formação da banda também influenciou no som de vocês?

Pedro: Demais. Quando começamos em quarteto não tinha necessidade dos amplificadores serem tão grandes. Hoje sou só eu nas cordas, antes tinham mais duas pessoas, fazíamos tudo com equipamentos menores, hoje temos menos equipamentos, mas eles são maiores.

Lucas: O nosso som acaba sendo mais alto e isso é sem querer, não foi intencional.

Pedro: Fizemos uma turnê ano passado com a Old Rust do Guarujá, SP e a Driven By de Rio Claro, SP, uma é quarteto, a outra é quinteto e a gente, de longe, era a banda com o som mais alto. Foi a Capivara Tour da produtora Devir Musical, e foi muito legal porque foi nossa primeira experiência com um produtor ajudando no rolê e tocando mais afastado de Ribeirão, já fizemos muitos shows aqui na região, dessa vez a gente precisou viajar.

Lucas: E nisso fizemos muitas parcerias.

Pedro: Essa é a parte mais legal da banda, temos plena consciência de que o que fazemos não tem um apelo comercial. Até pessoas próximas não entendem direito o que a gente tá fazendo, somos muito contestados e tudo bem, porque fazemos mais pela arte e o que isso nos traz, que é relevância na cena, onde quer que ela exista, e participar de eventos, conhecer pessoas, outras bandas, ter essa troca.

Eu frequentava a cena, era uma pessoa que ia em shows, mas não chegaria um Bus Ride Notes em mim, não chegaria um Not Just a Phase se eu não tivesse a banda, então ela me abriu muitas oportunidades de conhecer pessoas novas e de acontecer coisas até esquisitas com a gente.

O meu carro tem um adesivo da banda e já teve gente buzinando para mim e me dando oi no trânsito, falando “Curto demais o som de vocês” e gente que eu nunca vi. Se não fosse a banda, eu não teria essas cenas.

Lucas: Você acaba juntando os pares.

Pedro: Mas voltando ao som, tínhamos mais características do math rock, então havia muita conversa entre as guitarras. Tinha um momento que eu, o outro guitarrista e o baixista fazíamos tapping ao mesmo tempo. Hoje se eu paro para fazer tapping, o som fica apagado, então como eu tô sozinho, focamos mais em acordes abertos e mais ganho, mais distorção. Temos focado nesse lado mais abrasivo, nosso som ficou mais pesado.

Lucas: Quando eu entrei na banda, era um som que podemos descrever como um funk, experimental, tinha elementos de MPB. Antes de eu entrar na Módulo eu tocava numa banda de metalcore, então vim com essa bagagem de um som mais pesado, e descobri um tempo depois que o Pedro me traria um outro universo de música mais pesada.

Pedro: É, o Lucas não conhecia muito sobre skramz, screamo, pós-hardcore, ele tinha um conhecimento mais focado no metal.

Lucas: Então começamos a ter composições mais para esse lado. Hoje reduzimos muitos elementos que dão harmonia e focamos em elementos que dão a melodia. Focamos muito naquela melodia que a gente encontra em bandas como Touché Amoré, Loma Prieta, Jeromes Dream, nessa vertente. Demos aquela simplificada e aquela engrossada no som. Tentamos trazer elementos mais pesados e sujar mais as coisas.

Pedro: Eu cheguei a usar pedal board com 15 pedais de efeito, hoje eu tô com 6. Hoje não vejo mais a necessidade de ter tanta gama de texturas pro tipo de som que fazemos.

Lucas: E isso que estamos falando é do nosso primeiro álbum, que ainda não foi lançado. O “Equinócio”, que foi lançado em janeiro de 2023, é um trabalho que tá super datado, é uma sonoridade completamente diferente de hoje.

Quais são algumas das influências da banda? Vocês já citaram algumas.

Pedro: Acho que quando éramos uma banda instrumental, a principal influência era Caspian. É uma banda de post-rock instrumental, mas eu sei que os integrantes curtem post-hardcore, screamo, eles são uma das bandas de post-rock que tem o elemento peso. Recentemente temos ouvido muito screamo, principalmente bandas que tem feito reencontros como Orchid e Jeromes Dream. Também Touché Amoré, Suis La Lune, Pianos Become the Teeth, Frail Body.

Lucas: O Pedro também é um nerdão do LP, ele tem os LPs dessas bandas todas e é uma coisa sensacional. E a gente até quis trazer pra banda esse lado dele porque, pra mim, é uma coisa muito massa você estar do lado do cara, ele te apresentar uma banda e te dar um LP pra você folhear o encarte. Mesmo que eu vou ouvir no digital, é muito importante ter o primeiro contato com uma coisa que existe. E tem edições, por exemplo o último do Suis La Lune, que foi uma coleção da discografia toda, você pega o Marco Zero da banda e vai até o último material gravado e tá tudo registrado como se fosse um belo arquivamento, uma livraria da banda.

Pedro: É um registro histórico, né? Porque aquilo você não perde. E a gente entra num embate, estamos nas plataformas de stream por obrigação, pra tornar o material acessível. A primeira coisa que as pessoas perguntam é: “Tá no Spotify?”. Para os músicos o Spotify é uma plataforma desprezível.

Mas eu não vou falar que eu só ouço vinil, não, porque dá mais trabalho, você precisa de um monte de coisa, quando eu quero ouvir música no carro, por exemplo, eu tenho meu iPod onde tenho meus downloads. A gente pensa em fazer vinil pra Módulo porque, como o Lucas disse, é um registro histórico, além de ser a maneira mais direta de você ajudar uma banda. É por isso que fazemos CD também.

Lucas: É até engraçado isso porque pra mim a música só no ambiente digital não tem um apelo estético, sensorial. O álbum novo, é fundamental termos ele pelo menos em CD para a gente tocar e ver. Somos nós mesmos que fazemos as artes, todo o processo estético, os videoclipes e tal, e tudo isso está no digital, então tentamos transcrever isso para uma camiseta, um CD, um encarte. Temos zines, a gente diagrama, imprime, faz tudo à mão… eu e o Pedro fazemos isso tudo artesanalmente, né? É um processo que a gente valoriza muito, e é muito legal a gente também consumir esse processo de outros artistas.

Então, é uma coisa que sempre incentivamos. Putz, tem uma banquinha de merch? Cara, o CD as vezes, custa 5, 10 conto. Você não tem o CD player, mas você vai pegar uma coisa que tem um cuidado ali que é muito mais valioso do que o top 1 do seu Spotify ser a banda.

Pedro: E voltando à pauta que você mandou, a zine foi nosso primeiro artifício de merch de banda. Antes de termos material gravado, fazíamos zines e levávamos pra shows por um valor simbólico, para ajudar mesmo no corre.

Eram zines de fragmentos poéticos, de fotografia, que fazíamos à mão, e isso acabou chamando atenção de alguns zineiros aqui de Ribeirão Preto, o Vinícius Gomes, o Renan, o Raio Laze… Até fizemos eventos de zine aqui em Ribeirão e nisso, descobrimos a Zineteca. É um arquivo de zines aqui em Ribeirão Preto e quem administra é o João Francisco, que é baterista de outro duo daqui, a Justu. Eles já tão aí há mais de 20 anos.

Então, temos essa vertente da fisicalidade do nosso material, seja em forma de zine, de CD, camiseta, adesivo, qualquer coisa que a gente possa colocar a mão, a gente topa.

E isso transborda pro nosso próximo material, vamos lançar em CD e fita cassete, e a primeira leva já tá pronta, tá esperando só finalizar as gravações pra fazermos o transfer para as mídias e poder comercializar de alguma forma bem simbólica. Não estamos fazendo para ganhar dinheiro, estamos fazendo para cobrir os custos e pensando em, quem sabe, dessa maneira, gerar interesse de selos maiores, pequenas gravadoras e outros coletivos pra podermos lançar o nosso material de alguma maneira física fora da nossa cidade.

Esse material vai ser lançado pelo nosso selo, o Bloko Distro, pelo Criminal Bangers, que é o selo de um amigo aqui de Ribeirão, e na Criminal Bangers tem bandas que não necessariamente são de hardcore e post-hardcore, tem Astrônico, que é indie rock, tem Acid Soil, que é stoner, resolvemos unir forças dentro da nossa cidade, juntando cenas. E também pela Confusão Records, de Vitória, ES.

Eu tenho uma conexão com Vitória, vou pra lá duas, três vezes por ano, e consigo fazer esse intercâmbio com eles, que transborda a internet, né? Estive em Vitória no fim do ano passado, consegui pegar um show da Animal Trees lá.

Ah, você foi na Caramelo Discos! Conhece o Nandolfo?

Pedro: Da Desvio?

Isso.

Pedro: Falar de screamo no Brasil hoje, tem três bandas que têm saído em portais tanto nacionais quanto internacionais, que é a Módulo, a Desvio de Vitória, ES, e a Opiácea, projeto solo do Luan, que tem uma página muito legal no Instagram que chama realemo666, ele escreve uns textos super bacanas.

Inclusive, foi a gente que fez a fita cassete, aqui no nosso estúdio, de um three way split com a Opiácea, Mirin Bide do Chile e Ezinegon da Espanha.

Então sempre tentamos juntar pessoas que pensam parecido com a gente, que estão fazendo o mesmo corre. E, de novo, chegamos nessa turma por conta da banda, sabe? Nos apresentamos através da nossa banda e temos feito muita coisa junto dessa galera.

Eu conheci o Nandolfo através do Lucas da Xavosa de Brasília. Em uma conversa, ele falou: nossa, mas você fala de umas bandas assim… você tem que conhecer o Nandolfo. Aí começamos a conversar e tamo aí até hoje. Ele já colaborou bastante com o Bus Ride e a banquinha de zines que eu faço nos shows aqui tem zines dele. Eu mandei para ele os meus, ele me mandou os dele e a gente faz essa troca.

Lucas: Tem também essa troca, né? Tipo, a gente vende um merch seu, você vende um merch nosso.

Pedro: Recebemos um pessoal aqui no estúdio e dependendo de quem é, eles deixam algo pra gente. As vezes é um artista plástico, as vezes é um escritor, músico… Eles deixam aqui pra gente passar pra frente. O Vinícius deixou uns livros, entregamos uns zines nossos para ele, então sempre acha alguma coisa nossa por aí.

E como é a cena em Ribeirão Preto? É até que perto daqui e eu penso assim, eu não conheço quase nada de Ribeirão e eu falo: “mas essa cidade é tão grande, devia ter muita coisa!”.

Pedro: Eu não sou de Ribeirão, moro aqui desde 2012, então fui aprendendo o que a cidade tinha. O Lucas é daqui, então ele frequentou cenas que eu não conheci.

Lucas: Ribeirão é uma cidade muito forte de “música feia”, por exemplo. A gente tem uma cena bem legal, e sempre teve, de metal espadinha e punk pé sujo. Aqui sempre foi uma cidade que teve lugares, então os lugares é que faziam as cenas, não as bandas.

Pedro: E até hoje é assim. Conseguimos contar os locais que aceitam a gente, por exemplo, o Hashtag, a Egrégora, os eventos que o Rafones do Hierofante faz, normalmente eles são itinerantes, o Antro, que faz eventos esporádicos, a Toca do Jack.

Lucas: É muito pouco, conseguimos citar uns seis lugares que tem uma cena underground razoavelmente ativa.

Pedro: Mas mesmo assim, eles precisam preencher grade com banda cover.

Lucas: O duro de Ribeirão é que é a cidade do agronegócio, como se diz na TV, e como se diz na TV, também é a cidade do sertanejo, é o que a gente vai encontrar.

Pedro: Nós até conversamos antes, eu falei “Ó, Lucas, tem uma pergunta aqui sobre a cena de Ribeirão, não vamos cagar na cidade, né?”. Porque existem coisas, talvez não como uma capital e não como foi antes, ainda estamos nos reestruturando da pandemia, né? Então lugares fecharam, tinham lugares muito importantes que eram o Bronze, o Paulistânia, a UGT (União Geral dos Trabalhadores), eles não existem mais e eles tinham eventos toda semana, sempre uma coisa diferente, vinham bandas de fora.

Hoje temos coisas legais, não com tanta frequência, porém os expoentes do autoral estão ainda em atividade. Distúrbio Mental, Kbça de Bod, Animais Exóticos, você tem a Dresden, a Justu, a Chão Sujo, tem a gente, tem umas bandas de indie rock tipo Astrônico, Quartinho, Acid Soil. E aí você tem coletivos que fazem eventos de vez em quando, Coletivo Fuligem, Resistência Underground, é uma galera que se reúne e faz eventos nas casas de shows.

Lucas: Na minha visão, a cena de Ribeirão basicamente é um bando de coraçãozinho partidinho no meio do Agreste sertanejo, a gente se encontra em lugares, mas somos engolidos nessa massa de boate, de balada sertaneja e também muita banda cover, lugares que fomentam essa cena de uma maneira que inibe a banda autoral de existir. Essa cena que a gente se encontra é muito difícil nessa cidade.

Pedro: A gente vai pra São Carlos ver show.

Lucas: Hoje, nesses anos de pós pandemia, acontece muito de as pessoas dessas cidades um pouquinho menor que Ribeirão ou menor que Ribeirão, serem mais organizadas que em Ribeirão.

Pedro: As coisas aqui são caras, entende? Tivemos a oportunidade de fazer um evento ano passado, começamos a fazer as contas e não fechava, a gente não conseguia fazer.

Lucas: Falta gente, falta mão, falta interesse, falta tudo.

Pedro: Eu falei pro Lucas: esse jeito que a cidade ao mesmo tempo acolhe, mas ela substitui a gente muito fácil e é hostil, é interessante porque deixa a gente veiaco, aprendemos que nem tudo vai dar certo e talvez se estivéssemos numa cidade maior, fazer o som que fazemos não chamaria tanta atenção.

Por estarmos em Ribeirão Preto, conseguimos morder uma fatia de público que é muito fiel, a galera interage com a gente, conversa… fizemos um bota fora de merch essa semana e acabou tudo! E não foi ninguém de fora, todo mundo é de Ribeirão Preto. Compraram e vieram aqui no estúdio receber e trocar ideia, conhecer o espaço novo.

Então eu falei que tem as suas vantagens, sabe, não é só porrada. Por estarmos aqui, acho que muita coisa aconteceu que talvez não teria acontecido se estivéssemos numa cidade maior.

Lucas: Eu concordo com Pedro, não é só esse mar de angústia.

Vocês fazem tudo da banda, desde as composições, mídias, zines… E vocês tem a Bloko Distro e a Bloko Mídia. Vocês podem falar um pouco sobre cada um?

Pedro: Tudo tá debaixo do guarda-chuva da empresa que a gente montou. Temos uma produtora de vídeo, que é a Bloko Mídia, e montamos um espaço chamado Lab Studios. E aí, a Bloko mais a Lab virou a Bloko Lab, uma collab do espaço e da gente e ele atua em diversas pernas do audiovisual.

Lucas: Atendemos o corporativo e também atendemos bandas, projetos artísticos, instituições artísticas.

Pedro: E o que chamamos de distro é a distribuição de artistas que a gente acaba abraçando.

Lucas: Bem humildemente.

Pedro: Sim! Somos só nós dois na operação. Temos um programa de entrevistas com artistas locais pra fomentar a cena em diversas esferas, na parte de literatura, artes plásticas, o pessoal que tem um pequeno negócio, slow fashion, e outras coisas que achamos interessantes. Então a distro é essa distribuição de artistas que acabamos ajudando e um palco virtual, onde chamamos as pessoas pra vir falar o que elas quiserem.

Lucas: O que quiserem também não, né? (risos) Também tem esse lance, eu e o Pedro somos duas pessoas totalmente alinhadas politicamente e isso reflete muito no nosso comportamento e nossas atitudes, com quem a gente anda, até na própria arte. Somos uma banda totalmente de esquerda e diria eu, um pouco arrogante, mas um pouco comuna. E a gente se junta aos nossos pares nessa esfera, porque Ribeirão pode ser uma cidade super reacionária, né?

Pedro: Ribeirão Preto tem o filme meio queimado, nosso prefeito é idiota, né? Ele foi o primeiro prefeito do Estado de São Paulo a postar nas mídias sociais o apoio direto ao Bolsonaro no segundo turno.

Mas tudo o que nós aprendemos atendendo clientes, aplicamos na Módulo e vice-versa. Até hoje a gente não terceirizou nada na banda. Nunca gravamos em outro estúdio, nunca chamamos outra empresa, um videomaker, um fotógrafo pra fazer nada. Sempre fizemos nosso próprio trabalho, então é muito do it yourself e muito independente.

Vocês podem falar sobre a sua ligação com o site Not Just A Phase? Porque tem uma ligação com a Bloko Mídia também, né?

Pedro: Not Just A Phase é o maior portal de bandas de hardcore, pós-hardcore, screamo, emoviolence, skramz… São dois rapazes, o Rob do Canadá e o Elias, dos Estados Unidos.

Nós já seguíamos a página porque faz parte do nosso universo, eu era ouvinte assíduo do podcast deles e um dia, por acaso, o nosso Bandcamp caiu na mão deles. Não foi através da gente, acho que foi o algoritmo que entregou pelas tags. E foi o Bandcamp, não foi Spotify, não foi playlist.

Recebemos uma mensagem deles falando: “Galera, eu ouvi o último EP de vocês, ‘Equinócio’, gostei muito, eu queria escrever uma resenha no blog. Tudo bem a gente escrever? Se vocês derem um ok, vamos publicar na segunda”. Toda segunda eles têm a coluna “New Music Mondays” e nós entramos como uma recomendação.

E nisso ficamos malucos, né? Pô, um portal que seguimos já há um tempo, que a gente gosta, porque eles entrevistam artistas que admiramos e de repente, a gente tá lá no meio deles? Isso foi muito legal e saiu um texto lindo, disseram palavras que nunca imaginamos, sobre um trabalho nosso. Ficamos muito orgulhosos, pegou a gente de surpresa mesmo e isso já começou abrindo portas.

Eu falo isso e acho que o Lucas concorda, que a publicação do Not Just A Phase foi um divisor de águas, porque depois que saímos nesse portal coisas começaram a acontecer pra gente. Já tínhamos um ou outro contato aqui no Brasil, o pessoal do Post Rock Brasil sempre postava os nossos trabalhos, mas ele era o único que dava essa força. A partir do Not Just A Phase, saímos na Rarozine, emplacamos umas coisas legais. E ficamos amigos deles, isso deu liberdade pra gente chegar junto e conversar mais.

Recentemente eles abriram um Patreon e publicaram nos Stories: “Precisamos de ajuda pra editar vídeos. Eles são longos, estamos sem recurso, meu computador é ruim, eu não tô dando conta. Alguém, pelo amor de Deus, ajuda a gente”.

Eu falei: “Nós temos uma produtora e uma das coisas que fazemos é exatamente isso. Já atendemos até podcasts remoto. Estamos acostumados com esse tipo de trampo, a gente pode te ajudar”.

Eles disseram; “Ah cara, mas a gente não consegue te pagar agora, vamos lançar o Patreon”.

Eu falei: “A hora que começar a entrar grana no Patreon, você paga, e pode pedir o que você quiser pra gente”.

Então hoje nós somos a equipe de vídeo do Patreon deles. Todas as conversas que estão nessa plataforma paga, que são entrevistas na íntegra, são vídeos de uma hora até duas horas e meia de conversa, nós é que somos responsáveis por dar um talento ali, deixar o negócio viável para eles subirem no Patreon.

O site deles é um hub de convivência colaborativo da galera da cena do hardcore, então lá você tem links pra blogs que são muito ativos na cena, especializados, é bem nichado o público.

E através desse contato a gente conseguiu ser uma das bandas escolhidas pra coletânea e​-​Sims for Gaza, ela saiu pelo selo Middle-Man Records e o pessoal que gerencia o selo já foi entrevistado pelo Not Just A Phase, são da banda coma regalia.

Eles estavam procurando bandas para integrar essa compilação de umas 40, 50 músicas, seria uma música de cada banda e a grana seria revertida para comprar eSIM (chip de celular) para pessoas de Gaza terem acesso à internet durante esse período de guerra.

Lucas: E até ver o resultado real disso, também é muito gratificante.

Pedro: Porque levantou mesmo uma grana em um curto período de tempo, então cumpriu o papel.

Lucas: E a questão do eSIM é que ele tem um controle de dados, então eles conseguiam ver “Ah, esse aqui acabou, vamos substituir por outro”.

Pedro: É, eles deram um respaldo pra gente falando: “Não conseguimos ativar os últimos eSIMs, sobrou tanto, a gente vai passar para uma ONG que tá ajudando com alimentação, tudo bem pra galera das bandas fazer isso?”. Então teve um um contato muito grande ali e a gente fez contato com outras bandas.

Mas conseguimos entrar nessa porque quando nos apresentamos, falamos: “Nós somos muito amigos do Rob, do Elias, do Not Just A Phase”. Na hora eles toparam, aí tivemos um silêncio de uma semana. A gente não sabia se tinha rolado e de repente o negócio foi lançado e estávamos lá no meio. E isso reverberou até aqui em Ribeirão e na cena independente, amigos ligaram falando: “Cara, nunca vi isso, que massa!”.

Lucas: E é bem massa tanto na questão da banda, como pessoalmente. Lembrando que Gaza tá sofrendo um grande genocídio, então a gente poder, através da nossa arte, pelo menos tentar ajudar um pouco a situação ali, é uma coisa muito gratificante.

Ajudar diretamente é uma coisa, mas putz, foi a nossa arte que cantou ali. Foi legal na questão da banda, triste na questão do corrido, né? Tem esses dois lados da moeda.

Pedro: Eu tava falando com você mais cedo, o perfil da banda segue o seu perfil pessoal, o perfil do Bus Ride Notes foi mais recente, foi quando saiu aquela playlist no fim do ano. Demorou um pouco pra ligar os pontos, “Putz, agora tá tudo fazendo sentido, muito legal o que tá acontecendo”.

E é necessário ter essas pessoas do Not Just A Phase, Bus Ride Notes e outros blogs. Um que se interessou pela gente foi A Hora Hard, que é o Daniel de Santa Catarina, ele tem um canal de entrevistas, ele descobre uma cidade e esmiúça ela, ele entrevistou a gente e mais umas três bandas de Ribeirão, assim, de uma vez.

Falando nisso, e voltando um pouco na conversa, o que vocês acham das redes stream pra divulgação? Como essa playlist do Bus Ride Notes que tem a Módulo Lunar, por exemplo.

Pedro: A ferramenta de playlist, você montar ela na unha e adicionar banda por banda, artista por artista, você montar uma parada que seja coerente, eu dou play e sei o que tá vindo, eu acho muito legal. O que eu não gosto é: eu dou um play na “Rádio do Artista” e isso começa a me sugerir um monte de coisa que eu não sei de onde que veio, aí eu acho que a gente trisca a superficialidade.

Então quando a gente pega uma curadoria feita por alguém que sabemos que pensa parecido com a gente… o próprio “New Music Mondays” do Not Just A Phase é uma playlist. Se você procurar ela, vai ver quem são as bandas que eles escolheram para estar lá e tudo faz sentido, cria uma unidade, isso é legal.

Só que tem tem outros lugares que você pode fazer isso, o próprio YouTube, hoje o Bandcamp deixa criar playlists também. Eu acho que o Spotify conquistou o coração da galera de ser a primeira opção para ouvir música, então se você quer atingir mais pessoas, você tem que usar o Spotify. Na conversa anterior parece que eu sou anti-Spotify, não é isso, mas não é ele que vai dizer se uma banda é de verdade ou não, sabe?

Lucas: Nós usamos as ferramentas que estão disponíveis, o que conseguimos usar para nos promover e pro nosso som chegar em pessoas que gostem e que possam gostar. Não tem como negar que muita gente conhece nossa banda através disso.

Pedro: Temos tanto cuidado para fazer as nossas coisas, então é legal isso estar atrelado a outras pessoas que tem o mesmo cuidado, que tem o mesmo carinho pelo que a gente tem feito.

Até porque, falando da curadoria, você segue seja o Not Just A Phase, o Bus Ride Notes, você sabe o que vai vir, você sabe o que passa pela curadoria, então você sabe que muito possivelmente, sei lá, de 8 a cada 10 bandas que botarem lá, você vai curtir.

Lucas: Ainda mais quando temos hoje o que a gente tá fazendo agora: a possibilidade de saber mais sobre o artista que está ali.

Quais são os próximos planos da banda?

Pedro: Em 2024 nós vamos lançar o nosso primeiro LP, um disco com oito músicas chamado “Irritante Paz”, vai ser a nossa primeira gravação como duo e ele tem a estética pensada como um duo, não tem tantas camadas nas músicas, por exemplo. Ele vai sair em CD e cassete, produzidos aqui mesmo no nosso estúdio, pela Bloko Distro, que é o nosso selo, pela Criminal Bangers e pela Confusão Records, de Vitória, ES.

E a partir dele queremos fazer um punhado de shows de lançamento. Temos visto algumas coisas em outras cidades, para além de Ribeirão Preto, até fora do estado de São Paulo, até fora do Brasil. E também alguns clipes, a gente sempre solta um ou dois.

Últimas considerações? Algum recado?

Pedro: Compre merchandise, baixe músicas, pirateie, use no seu iPod, faça o necessário.

Lucas: E claro, todo mundo, por favor, se organize.