Porque a nova geração está se separando do punk “clássico”
Se tem uma coisa “nova” no horizonte do mundo subversivo é o fato de que a cena está se renovando e se reconstruindo a partir das pautas atuais.
Conheçam o “novo punk”, que é formado por uma galera mais nova que vem regendo a cena e eles procuram representatividade em si próprios. São elas, mulheres, pessoas periféricas, não-brancas e não conformistas com as imposições de gênero e sexualidade.
O que temos percebido é que essa galera, principalmente mulheres negras, periféricas e que fazem parte da comunidade LGBTQ+, têm se retirado dos roles tradicionais e, desse modo, criado uma cena alternativa da alternativa. E isso é bom para caramba!
Pensando nisso, a Bus Ride Notes conversou com uma mina que viveu essa mudança e contou para gente porque resolveu trocar o role punk “clássico” para colar em eventos majoritariamente feministas.
Abaixo vocês podem conferir a breve entrevista concedida pela Letícia, punk desde os 12 anos e que não se via representada nos roles “clássicos”.
BRN: Eu te conheci no show da Gulabi (foto). Você era uma das pessoas mais animadas e dançantes do role.
Letícia: (risos)
Você comentou comigo no dia que você era do role já faz um tempo, né?
Eu sempre gostei muito de punk e hardcore. Principalmente punk na verdade, põe um parêntesis aí depois porque hardcore eu coloquei só para incluir (risos). A questão mesmo era o punk.
Na verdade, eu fui fazer uma pesquisa para faculdade sobre as mulheres na cena punk e hardcore de São Paulo. Eu sempre ia nos eventos desde novinha e queria falar sobre isso, reparei que o punk é uma contracultura e que na verdade a galera não sabe o que é, não sabe como está, não sabe se existe.
Quantos anos você tinha quando começou a frequentar esses roles?
Eu curto punk desde os 12 anos. A minha tia me levava nos roles do ABC quando dava, aí dentro disso eu comecei a descobrir bandas. Uma banda que me influenciou muito foi o DZK e Cólera, que era minha banda favorita. Daí eu comecei a perceber que eu e minha tia éramos basicamente as únicas mulheres presentes no role. E mais ainda, eu não-branca e minha tia negra.
Começamos a notar isso mais ainda em um show do Surra, onde eu estava no mosh e o vocalista no meio do show teve de parar e salientar para a galera: “Toma cuidado com essa mina…”. Eu precisei ouvir ele me falando que eu era a única mina daquele mosh para minha ficha cair.
Isso também aconteceu quando eu tentei formar uma banda e toda vez que procurava por integrantes só apareciam homens! E assim, homens mais velhos, homens que não gostam de punk, homens que falam mal da minha voz e que diziam que eu não poderia tocar guitarra. Então foi a partir daí que eu comecei minha pesquisa em busca de bandas de mulheres, de algumas eu já gostava e uma dessas era a Charlotte Matou Um Cara. Ainda dentro desse role eu conversei com uma menina, também do ABC, que era vocalista do Condenados, a Natália, que não faz mais parte da banda. Eu perguntei se ela sabia de algum evento de mulheres e ela me falou sobre o Maria Bonita Fest, aí nesse role eu conheci a Maia que é vocalista da Gulabi e baixista da Lili Carabina e comecei a colar nos roles.
E nos roles de mulher, além de não ter só macho, qual a maior diferença que você notou?
Eu entendi que a cena punk acaba se dividindo entre a cena punk/hardcore e a cena punk. Dentro desta (punk) existe a cena de caras e a cena de minas. Como, por exemplo, o movimento Riot Grrrl onde as meninas procuraram dentro da cena dos caras por um espaço para reivindicar e se articular. Então elas usam um artefato que é do punk para contestar o próprio punk. O que acontece é que os caras não dão esse espaço para as mulheres e nunca deram.
Mesmo na teoria tendo que dar né?
Apesar de ser um ambiente contestador e supostamente subversivo, que era para dar espaço as mulheres, as pessoas negras, periféricas e LGBTQ+, acaba excluindo essa galera. No hardcore mais ainda, pois acredito que seja muito elitizado.
Quando eu era novinha e comecei a conhecer a cena punk eu pensava; “Nossa, vai ser muito louco! Vamos quebrar e contestar tudo!” E quando eu cheguei nesse ambiente, principalmente o dos caras, fiquei tipo… Cadê a articulação? Eu procurava pela ação.
Já dentro do role de mina eu vi muito mais isso (essa ação).
Por exemplo, existem bandas de punk antigas que o pessoal vai lá, faz o show e vai embora logo em seguida. Não vejo uma articulação ou um ato político. Apesar de acreditar que algumas bandas “novas” de homens realmente fazem isso. E tem algumas que chegam a se juntar com as meninas para fazer um role, mas é daquele jeito…
É tão dividido assim que em role de macho só vai macho e em role de mina só vai mina?
Não. É algo que acaba acontecendo. Se prestar atenção consegue ver que isso está estruturado. Quando eu chego num role de minas eu vejo que tem uma articulação política maior, tem uma função. Já no dos homens, principalmente quando se trata de bandas mais antigas, eles não mudam a estrutura da letra, não mudam sua estrutura política. Falam de coisas que aconteceram lá atrás, sobre letras que foram escritas há 30 anos e não escrevem uma letra nova para falar do que acontece na atualidade! Aí esse espaço punk acaba se mantendo igual e não dá lugar para essas mulheres, para a galera preta. Essa galera composta de mulheres pretas, LGBTs, periféricas acabam “tendo” que criar um espaço novo para poder discutir os temas contemporâneos porque no role antigo só tem ideia antiga. Eles não tem interesse nos novos discursos.
Jornaleira, grunge, só quer fazer um trabalho decente. É amante música ao vivo e livre.