No Brasil atual, comandado por milicianos mafiosos e evangélicos fanáticos, sobre a complacência de um povo bovino, idiotizado pelas redes virtuais, a banda Tatuajë DiCarpa surge como uma mancha de ácido nesse mar de chorume.
Surgida em Rio Preto, interior de SP, pela mentes insanas do veterano Anderson Rizutti (Dischord, Academic Worms) no baixo e backing vocals, junto com a vocalista Julia, Vitor na Guitarra e Renan na bateria, a banda se propõe ao sarcasmo e ironia, tocando o dedo na ferida da falta de coerência do povo. O deboche já começa pelo nome da banda, que foi escolhido em votação numa postagem do Facebook.
O Tatuajë DiCarpa se intitula powerviolence debochado, mas lembra o grindnoise rústico do New York Against Belzebu, principalmente na fase com a vocalista Ana, com aquele tempero do punk brazuca (a cover que tem neste CD, de “Buracos Suburbanos” do Psykoze, foi uma bela sacada).
No entanto, o Tatuajë é muito mais ácido em suas críticas que os veteranos do NYAB. Em seu debut, “Satisfação Garantida ou Foda-se”, o Tatujë solta 21 pertados, contando a Intro e Outro, que raramente ultrapassam um minuto, socado em um pouco mais de 15 minutos.
Quer belas melodias? Elaborados solos de guitarra? Letras construtivas? Sem tempo, irmão. O bagulho aqui é caminhão desgovernado descendo o barranco. E a metralhadora cospe pra todo lado: esquerda cirandeira Paz & Amor (“Música Popular Cirandeira”), os lacradores de internet (“Muita Lacração pra Pouco Debate”), a indigência cognitiva dos bolsominions (“Vosê é Buro! Sofreu Doutrinassaum!”), a soberba do ‘jeitinho brasileiro’ (“Brasileiro Não é Malandro Você Que é Otário”), Sertanejo universitário (“As Três Fases do eu Lírico do Sertanejo Universitário”) e claro, não poderiam faltar temas anticapitalistas (“Desgraças do Capitalismo”) e pró feministas (“A Mina do Fulano”, “Cultura do Estupro”). Tem ainda muito deboche como em “Istrei edi Não Praticante”, “Ateu de Horóscopo”, “Urubu Guaraná” (essa bem NYAB), e também “Bate em Nazi”.
A gravação do CD está naquela rusticidade tão apreciada pelo pessoal punk/grindcore.
Um destaque interessante vai para a capa que utiliza um unicórnio com uma tatuagem (de carpa) na bunda dançando em um arco-íris. O que poderia passar despercebido ou como mera brincadeira alguns anos atrás, hoje, em tempos obscurantistas e homofóbicos, a arte surge como uma provocação aos carolas e reacionários, mais um ponto para a banda.
Uma das relevâncias do Tatuajë DiCarpa foi a sacada de somar os velhos ideais punks conectando com problemas e contradições atuais, o que parece uma simples progressão, mas muita gente se perdeu nessa curva aí. A outra relevância é, claro, o som caótico, barulhento e rápido. Ao vivo deve ser uma desgraceira infernal de fazer qualquer punk/grinder/noise abrir o sorriso.
Vida longa ao Tatuajë DiCarpa e seu deboche.
Essa resenha foi feita por Paulo Blob e também vai sair na próxima edição da Insulto Magazine. Quem se interessar em adquirir ela, entre em contato com a banda.
“Satisfação Garantida ou Foda-se” pode ser ouvido no Bandcamp:
Ex colaboradore das antigas Six Seconds e Calliope Magazine e alguns blogs de música. Resolveu fazer o próprio site enquanto não tem dinheiro o suficiente pra fazer uma versão BR do Audiotree Live.