Bus Ride Notes
Entrevistas

Entrevista: Anti-Corpos

Creio que todo mundo que acompanha o Bus Ride Notes conhece Anti-Corpos, banda de São Paulo formada em 2002, hoje em Berlin e composta por Adriessa Oliveira (guitarra), Helena Krausz (bateria), Marina Pandelo (baixo) e Rebeca Domiciano (vocal).

Anti-Corpos foi uma das primeiras bandas de queercore (se você nunca ouviu falar disso, leia aqui nosso rascunho sobre) do Brasil, numa época onde praticamente ninguém, nem mesmo a banda, usava o termo.

Em Outubro de 2020 elas lançaram seu novo EP, “We Keep On Living”, cujas músicas foram feitas e gravadas em momentos diferentes, inclusive com diferentes membros na banda.

Conversamos com Anti-Corpos sobre “We Keep On Living”, a história da banda e mais na entrevista que você lê a seguir:

Vocês podem falar um pouco sobre a banda pra quem não conhece?

Adriessa: Anti-Corpos é uma banda queer feminista que faz som rápido e pesado que flerta com o hardcore, punk e metal, aquele famoso crossover.

Helena: A banda existe desde 2002 e ao longo de todo esse tempo tocamos em diferentes cidades brasileiras e vários países da Europa e América do Sul.

Desde 2015 a banda teve várias mudanças, alguns integrantes se mudaram pra Alemanha, mas a banda continuou. Vocês podem falar sobre isso? E a escolha de continuar com Anti-Corpos?

Adriessa: A banda em toda a sua história teve muitas mudanças, essa é a real. Em 2015 quando me mudei pra Alemanha e teoricamente a banda tinha acabado porque Rebeca estava no Brasil, eu sabia que a primeira coisa que eu precisava era de uma banda nova, aí conheci Andrzej e Andrea e montamos Eat My Fear, que na sua formação original tinha o Dirk no baixo. Após três anos ele deixou a banda e a Helena (baterista da Anti-Corpos) assumiu o baixo.

Mas logo em 2016, quando Rebeca também se mudou pra Berlin e estávamos reunides novamente, resolvemos dar continuidade e escalamos a Marina pro baixo, que já vinha nos acompanhando por alguns shows que fizemos na Europa.

Acho que Anti-Corpos sempre vai existir enquanto estivermos na pilha de tocar, sempre nos adaptamos para que isso continue acontecendo.

As músicas do “We Keep On Living” foram feitas durante todas essas mudanças, não? Vocês podem falar um pouco sobre cada faixa?

Adriessa: Esse EP é uma junção de quatro sons gravados em momentos diferentes. Alguns comigo e outros com Re no vocal. Pouco antes de Rebeca deixar a banda, em 2017 (Rebeca já está de volta), recebemos um convite para gravar um som para um tributo ao Bulimia e junto com ele gravamos “Herança” e “Brincando de Igualdade”.

Em 2019, quando eu assumi os vocais, gravamos “Borders of Fear” e “Keep On”. Eu escrevi “Borders of Fear” em uma das viagens que fiz para ensaiar com uma banda que toco na Suécia, que tem uma das fronteiras mais brutais que já passei pela Europa. Sempre que eu atravessava me dava pânico, pois sabia que ia ser controlada de forma agressiva por causa do meu passaporte brasileiro. Pessoas com passaportes de origem africanas ou árabes então… era muito sinistro.

“Keep On” é sobre continuar, dia após dia, a viver nesse mundo caótico que te cobra demais e que é difícil não pensar em desistir. A letra é da Marina e foi nosso primeiro som em inglês, se não me engano.

Helena: “Brincando de Igualdade” é uma música feita em 2005 que resolvemos regravar. Ela fala basicamente sobre pessoas que são bem desconstruídas na teoria, mas suas atitudes não condizem com o que falam. Sempre existiram vários exemplos na cena punk hardcore de caras com um discurso lindo em cima do palco, mas na realidade eram bem diferentes fora dali.

E como está a banda hoje?

Adriessa: Voltou a ser Adriessa na guitarra, Rebeca no vocal, Marina no baixo e Helena na bateria. Estávamos voltando a compor para um novo disco, querendo tocar muito e aí veio a pandemia. Enfim, estamos como a maioria das bandas, na espera louca da vacina.

Não dá pra falar de Anti-Corpos sem falar de queercore. Tenho um adesivo de 2015 onde se lê “lesbian feminist hardcore from brazil” e desde aquela época vocês já usavam o termo queer em alguns lugares. Vocês podem falar da relação da banda com o estilo?

Adriessa: Acho que no Brasil o termo queercore nunca foi propriamente usado até tipo Teu Pai Já Sabe?. O queercore é parte da nossa identidade e influências. Bandas como Limp Wrist, Team Dresch, G.L.O.S.S., TPJS? são super importantes na nossa caminhada. Em 2019 tocamos com Limp Wrist em Berlin e foi tipo WOW, realização de sonho!

Usar o termo hardcore lésbico ou queercore sempre foi muito importante para nós como luta nesse espaço ainda super machista e homofóbico que é o hardcore punk.

Quem ouve punk e hardcore tem a impressão de um lugar unido e lindo, mas quando nos aproximamos vemos que a realidade não é nada disso. Mas uma coisa visível na Anti-Corpos, até pra quem acompanha só pela internet, é um senso grande de comunidade. Vocês podem falar um pouco sobre isso?

Adriessa: Acho que a letra da música “Anti-Corpos” fala muito bem o que a banda representa para nós, é a nossa forma prática de luta.

Eu tocava em uma banda que evitava ao máximo essa relação pessoal do público e banda. Acho que as bandas “mainstream do underground” do hardcore punk dos anos 90 ainda tentavam ter essa divisão clara entre banda e público.

Eu vejo Anti-Corpos como uma grande comunidade queer, feminista, das mina, das mona, dos roqueiros e roqueiras que se encontram, curtem, pensam, trocam. O palco não nos separa e gostamos da interação em shows, trocando instrumento, chamando galera pra cantar, etc. No final somos todes outcasts que procuram nesses ambientes de shows queer feminista se divertir e sentir segure na medida do possível.

Acho que o que consegui com Anti-Corpos nunca consegui com nenhuma banda e muito vem desse apoio mútuo da nossa comunidade.

Helena: Total, esse apoio é essencial para nos fortalecermos ainda mais enquanto cena queer feminista. O que não significa que quando vemos algo que achamos errado ficamos quietas. Pelo contrário, sempre que algo ou alguém é denunciado dentro da cena procuramos falar sobre isso, mesmo que não agrade a todes.

A banda é o tema do documentário “Anti-Corpos, Pedaços de uma Turnê Cúir”, que foi exibido em Novembro no festival Mix Brasil. Vocês podem falar sobre ele?

Adriessa: Isso foi uma grande surpresa. Nossa amigona Brunella Martina, que gravou todos os nossos clipes, já tocou na banda e gravou a segunda guitarra do disco “Meninas pra Frente” (2012), assim que soube da nossa tour na América do Sul em 2019 falou sobre fazer um registro e usar de alguma forma o material.

Um ano depois, ela nos escreveu com o primeiro corte do mini doc, já nem lembrávamos mais dele. Fomos surpreendidas por um material super massa e ficamos ainda mais surpresas por terem aprovado o doc no Mix Brasil.

Foi interessante ver nossas entrevistas logo após a posse do Bolsonaro, falando de uma forma super pessimista, mas mesmo assim o tom da nossa fala não se compara com a realidade que está sendo vivida hoje. É tipo nossos medos que foram multiplicados por mil. Triste demais, espero que tenha um ponto de virada em todo esse pior pesadelo.

Últimas considerações? Algum recado?

Adriessa: Obrigada demais pelo convite e sigam seus sonhos, chequem como seus amigues estão passado e fiquem bem! Vamos resistir e fazer a mudança! Quando tudo isso passar nos vemos na estrada.

Helena: Valeu pelo espaço! Força sempre!

“We Keep On Living” está disponível no Bandcamp e nas redes de stream.