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Entrevistas

Entrevista: Vacilant

Lançado em 27 de agosto, Tempo Bravo é o segundo álbum da banda Vacilant. A banda conta com membros de outros projetos da cena alternativa do Ceará: Yuri Costa (Máquinas, Clau Aniz), Clau Aniz, Felipe Couto (Astronauta Marinho), Tuan Fernandes (Chinfrapala) e Tais Monteiro compõem o conjunto.

A união de grandes artistas acontece também no álbum visual dirigido pelos integrantes Taís Monteiro e Tuan Fernandes. Foram convidades Amorfas e insiraseunomeaqui para a produção dos clipes de Serviços Essenciais e Sopa de Ossada, respectivamente. Tanta gente boa junta só podia dar em uma viagem incrível né? Tempo Bravo é um deleite tanto para os ouvidos quantos para os olhos.

O lançamento é do selo Mercúrio Música, que possui entre seus destaques o álbum O Cão de Toda Noite do Máquinas, já conhecido de quem acompanha nossas entrevistas. A produção e mixagem é assinada pela própria banda. Klaus Sena assina a masterização. A capa, contra capa e encarte contam com fotografia de Tais Monteiro e edição de Johann Freitas.

O álbum que viaja pela experimentação e mistura do jazz, hyperpop, ritmos brasileiros e rock é fruto de uma residência artística na Escola de Artes do Porto de Iracema.

Curioso, né? Para entender mais de Tempo Bravo chamamos Taís Monteiro e Yuri Costa para uma conversa sobre o processo de criação do álbum. Confira:

A banda é formada por nomes já conhecidos da música alternativa cearense, né? Se não me engano, exceto pela Tais Monteiro, todos os demais integrantes já tocam em alguma outra banda. Como aconteceu esse primeiro encontro de artistas? E como foi mesclar as influências de cada um?

Tais Monteiro: Bom, a Vacilant começa em 2017 e é primeiramente idealizada por Yuri Costa e eu, que crio as imagens e vídeos. A ideia era trazer nas apresentações e nas participações especiais, amigos músicos e artistas visuais de Fortaleza. Aos poucos, Clau, Felipe e Tuan, que participavam em apresentações, foram se aproximando mais ainda. Yuri, por exemplo, está na formação da banda de Clau Aniz; eu fiz a capa do álbum Filha de Mil Mulheres (2018) e fiz os clipes de Clau Aniz também junto a Tuan, nós dois dividimos a direção de fotografia de Uru Iuá, videoclipe de 2019 de clau aniz, entre outras coisas que fizemos de audiovisual juntos. Já Felipe Couto, já era amigo próximo de todos nós e aos poucos, nos shows e nos ensaios, fomos nos tornando um grupo. De certa forma, já nos encontrávamos em outros espaços e criamos tanta coisa juntos em outros projetos que a Vacilant se torna um lugar de experimentações.

O álbum foi fruto de uma residência artística na Escola de Artes do Porto Iracema com a tutoria da multiartista Maria Beraldo, certo? Fale um pouco de como foi essa experiência.

Tais: O Porto Iracema é uma experiência única. No momento de isolamento social devido à pandemia de Covid-19, ter a Vacilant como um dos projetos escolhidos para o laboratório de música foi essencial para continuarmos criando. A princípio, intentávamos criar um espetáculo, um show, pensar no palco. Aos poucos, fomos percebendo que ainda não conseguiríamos dar conta disso nesse momento. O laboratório, coordenado por Mona Gadelha, foi compreensivo com a mudança da proposta inicial e embarcou na nova proposta, do vídeo-álbum. A tutoria com Maria Beraldo, apesar de ter sido feita toda a distância, nos trouxe outra perspectiva de timbres e de estrutura das músicas.

Maria Beraldo acompanhou o processo por e-mail e chamadas de vídeo, viu os vídeos durante o processo de montagem, conversamos sobre as imagens e os conceitos sobre tempo que perpassam o álbum também. As tutorias propostas pelo Porto Iracema caminham neste propósito: aproximação, troca de experiências, um olhar sobre o trabalho.

Fotos por Tais Monteiro

A gente nota toda uma mistura de sons no álbum, indo do jazz ao eletrônico, bastante experimentação. Como foi o processo de composição?

Yuri Costa: Buscamos sempre levar as composições para lugares menos reconhecíveis e previsíveis. Quando notamos que está muito parecido com algum gênero, tentamos levar os arranjos para outros lugares. Ao mesmo tempo, naturalmente todos esses gêneros se entrelaçam pelas diversas influências que todos nós temos. Todos nós gostamos de jazz, rock, samba e MPB, mas sabemos que a Vacilant é música eletrônica. Então, a partir dessa perspectiva vamos colocando essas influências dentro desta estética proposta. O caráter experimental do grupo também contribuí para essa mistura, já que nossa pesquisa parte de um lugar onde não existe compromissos com formas fechadas, estamos sempre procurando novas maneiras de produzir.

Há inclusive um cover de “Minha Imagem Roubada” do Cidadão Instigado. O que motivou a escolha dessa música?

Tais: Cidadão Instigado está presente na memória afetiva de todos os membros da Vacilant. Os shows, os álbuns. Minha Imagem Roubada foi lançada em 2002 e todos nós sabíamos cantar a música. O Catatau é um artista muito importante para nossas obras. A ideia de gravar um cover de Cidadão já era uma conversa que acontecia há um tempo e quando essa música foi proposta por alguém (não lembro ao certo quem), todos topamos de cara. Inclusive, é a única música do álbum que contém as vozes de todos os integrantes (gravamos cada um três vozes diferentes, talvez no desejo de estar no meio de um show do Cidadão).

Além desse fator da memória que dialoga diretamente com o tema do tempo que perpassa o álbum, conversa diretamente com as ideias que temos sobre imagem (na época de criação do vídeo-álbum, conversamos sobre dois textos importantes para o nosso processo criativo: Em Defesa da Imagem Pobre da Hito Stereyel e Por um Cinema Imperfeito de Juan García Espinosa).

Vamos falar do álbum visual agora. O release diz que o filme foi dirigido por Tais Monteiro e Tuan Fernandes. As músicas foram feitas já pensando no filme e vice versa? Como surgiu o filme?

Tais: Há um tempo, Tuan e eu já pesquisávamos e pirávamos em projeções, em usar imagens de arquivo de internet, buscar transformar nossas próprias imagens de arquivo, os destroços da produção audiovisual, nos divertir de alguma forma com essa tormenta de imagens disponíveis. Usamos ao nosso favor a materialidade de pensar dispositivos diferentes e suportes múltiplos como busca de uma memória em comum. Por exemplo: em Sangradouro são imagens do açude de Orós (CE) sendo inaugurado em 1964, disponível no YouTube e tem imagens de desenhos do Tuan também; e em Minha Imagem Roubada, são vídeos de baile em várias cidades nordestinas da década de 1990 e 2000 que estão disponíveis também no YouTube; em Corredeira, projetamos nas falésias em Icapuí (CE) cenas de filmes que marcam nossa memória e assim criamos um outro tempo dentro do tempo na textura milenar das falésias.

Durante as apresentações antes do isolamento por conta da Covid-19, já trabalhávamos também com uma pesquisa de luz e laser que trouxemos para o vídeo e para as fotos. E desde o primeiro EP, temos um “ser” que aparece nas fotografias, mas não nos shows. Desta vez, ele está em movimento, nos introduzindo suas memórias, seu caminho no início do vídeo, seu tempo outro do que estamos acostumados a experimentar como seres humanos.

As músicas já vinham sendo trabalhadas anteriormente. A Vacilant tem um processo de música que é constante e não para um trabalho específico, até o momento que é decidido criar um álbum. A forma do vídeo-álbum é que foi conjunta, de pensar ordem e caminho de escuta e visualidade, qual música vem primeiro, de que maneira a gente mostra na imagem o que queremos mostrar… Isso, foi pensado junto.

Como foram decididas as participações dos artistas convidados no filme (AMORFAS e insiraseunomeaqui)?

Tais: Ambas participações foram incríveis e imprescindíveis para o vídeo-álbum. AMORFAS tinha enviado um trabalho de colagem para uma revista de fotografia de arte nordestina na qual eu fui editora e curadora, a revista NERVA. No momento que vi a arte de AMORFAS, enviei para todos da Vacilant e concordamos no convite imediatamente.

insiraseunomeaqui já tinha trabalhado anteriormente com Felipe Couto e já conhecíamos o seu trabalho com cinema 3D e modelagem. Com o convite feito, nos reunimos, mostramos as duas músicas, e es artistes decidiram de que maneira fariam, a ordem e a maneira como criariam.

Fizemos reuniões semanais somente para acompanhar processo ou sanar dúvidas, mas de qualquer forma, o trabalho de AMORFAS e insiraseunomeaqui são maduros e firmes, quase não teve modificação do que foi proposto por elus. Para nós, da Vacilant, foi um encontro alargador de significado das músicas.

É interessante um álbum musical que também é um trabalho acadêmico. Como vocês enxergam essa conexão entre esses dois mundos?

Tais: Acho que ainda não é um trabalho acadêmico hahaha. Tempo Bravo (2021) é um vídeo-álbum apenas ainda. Em breve, vai ser um show e quem sabe uma experiência imersiva, pode ser que vire outra coisa depois. Tempo Bravo (2021) ainda está em processo e isso é interessante, talvez pelas pesquisas que fizemos para criar, influenciados pelo que lemos e o que conversamos sobre, não é possível fechar um trabalho assim. Ele vai ser sempre mutante.

Fotos por Tais Monteiro

Tempo Bravo é um álbum para ser tanto escutado quando assistido, né? O que vocês acharam dessa experiência de ter um álbum visual? O que isso diz sobre o ato de ouvir e fazer música atualmente?

Tais: Desde o início, a Vacilant é uma proposta de conversa entre som e imagem e, pela primeira vez, conseguimos criar um vídeo para o álbum inteiro. O desejo de criar um álbum visual sempre esteve latente em todos os outros momentos anteriores da Vacilant, o que acontecia era que não tínhamos tempo ou estrutura para criar da maneira que queríamos.

Acho que faz algumas décadas que a imagem e o som trilham espaços comuns e assim, projetam experiências conjuntas. Talvez, nos últimos anos, por conta dos aportes tecnológicos, os processos entre linguagens estejam mais diluídos e as barreiras que dividiam as experiências sensoriais não existam mais como antes. É possível enxergar projetos em que luz, imagem, vídeo, música, cheiro e presentificação estejam em uma mesma ideia e sejam criadas para serem experienciadas juntas, o que não significa que, cada linguagem, alcança a nossa percepção de uma maneira específica.

E por fim, quais são os planos da banda para o futuro?

Tais: Nesse momento, estamos ansiosos com uma apresentação presencial. Elaborando algo ao vivo. Pirando com essa possibilidade de trazer algo do vídeo para o show, de qual maneira, de que forma, como fazer, como não fazer. Programar iluminação, estudando isso. Estamos também, nos encontrando com muita gente de forma online ainda vendo essas possibilidades, a instigação tá grande. Pensando em turnê, pensando em prensagem física de k7 que é um desejo, instalações sonoras também é outro, um monte de coisa. E continuar fazendo!

Ouça Vacilant no Bandcamp e nas redes de stream.