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Entrevistas

Entrevista: La Burca

La Burca nasceu como duo em 2011. Com essa formação, a banda que se intitulava post-punk tropical folk lançou dois álbuns, “La Burca” (2013) e “Kurious Eyes” (2016).

Amanda Rocha é quem compõe as músicas da banda e suas letras falam sobre “feminismo, amor entre mulheres, bandeiras fadadas a caírem, olhares tortos/curiosos e mentes selvagens”.

Em 2019 viraram power trio e em 2021 lançaram o disco “Desaforo – Volume I” com a nova formação e sonoridade mais puxada pro punk rock.

O primeiro single, lançado antes do disco, “Desaforo”, é uma música instrumental que diz mais do que a grande maioria das músicas com letras que eu já ouvi na vida. Se você acompanha o site, já me viu dizer que acho incrível quando as pessoas conseguem se expressar bem em uma curta letra de música, aqui La Burca se expresa muito bem em uma faixa instrumental.

Creio que não foi essa a origem do termo manifestos sonoros, que a banda usa pra se referir ao álbum, mas certamente, é um bom exemplo dele.

Hoje La Burca é Amanda Rocha (voz, violão e guitarra), Daniel Guedes (guitarra) e Roberto Schiavon (bateria).

Conversamos com Amanda sobre a história da banda, o novo álbum e seus próximos passos na entrevista que você lê a seguir.

Vocês podem falar um pouco sobre a banda pra quem não conhece?

La Burca nasceu de uma necessidade em me expressar plenamente, artisticamente e musicalmente, e de romper com a heteronormatividade. Foi a minha libertação.

Começamos em 2011 como um duo de violão elétrico e bateria em Bauru, SP. Lançamos dois discos com essa formação, “La Burca” (2013) e “Kurious Eyes” (2016), sempre no esquema independente, pelo nosso selo !punklorecords!.

“Desaforo – Volume I” marcou algumas mudanças na banda, uma delas é a estreia em estúdio da nova formação. Como ocorreu essa mudança de duo para power trio? Isso interferiu no processo de composição?

Em 2019 nós mudamos a formação, entrou um novo baterista (Ed Paolow, que ficou de 2019 a 2022) e o Daniel Guedes na segunda guitarra. Era algo que eu já vinha pensando: ser um trio de duas guitarras e bateria. Em “Kurious Eyes” há participação de outros guitarristas em três músicas, “Goos”, “She Thrills” e “HHH”.

Essa mudança não interferiu em nada, só somou. Creio que foi algo natural e fez muito bem à banda. O Guedes consegue captar o que a música pede e tem um background post punk e noise que a banda precisava. Ele fez toda a linha de guitarra dele em plena quarentena da Covid. Ficamos sem nos ver durante a gravação, só nos falávamos pelo Whatsapp porque ele estava trancafiado.

No estúdio ficamos apenas eu, o baterista da época e Lucas Bardo, meu irmão, no teclado (ele tocou em “Aldeia” e “Best Worst”). Depois disso mixamos o som. Foram meses de mixagem até conseguirmos finalizar com o Guilherme Radchild.

“Desaforo – I” tem quase todas as letras em português, diferente dos lançamentos anteriores. De onde surgiu essa escolha?

Eu vinha de algumas apresentações no vocal com as Mercenárias e isso acabou me influenciando bastante.

Eu já tinha uns sons em português, como “Aldeia”, então deixei fluir e experimentar a minha voz. Foi libertador também, mas não é uma regra.

O disco é descrito como manifestos sonoros, vocês podem falar um pouco sobre o que são manifestos sonoros?

Acredito que tudo o que a banda faz é um tipo de manifesto, seja anti LGBTfobia, anti assédio sobre minorias, mulheres, enfim.

Por exemplo, “Desaforo” é um som instrumental anti assédio. Há um assovio na música, e logo depois, uma batida na caixa da bateria como se fosse um tapa na cara do machismo. Tem essa narrativa sonora que conta uma história sobre perseguição e opressão que sofremos por sermos mulheres.

Assim como em “Mato Sem Cachorro” verso contra a lesbofobia e mortes dos nossos, extermínio ainda mais deliberado nesse último governo fascista.

Depois tem “Aldeia” (sobre minorias indígenas e natureza), “Die Angels” (sobre questões de abuso infantil e de relacionamentos), “Planeta” (sobre corrupção)… enxergo como um manifesto natural, precisava por pra fora. E são músicas novas e antigas que se comunicam.

Podemos esperar o “Desaforo – Volume II” em breve?

Estava previsto pra esse ano, mas deu preguicinha (risos), ficou pra 2023. Vamos lançar dois singles antes dele, creio que em janeiro de 2023. São duas músicas que ficaram de fora de “Desaforo I” e fazem a ponte pro “Desaforo II”.

No momento estamos divulgando a coletânea nacional de post punk “A Divina Tragédia – Purgatório” que saiu em vinil. Participamos com a música acústica “Die Angels” e faremos o lançamento no dia 10 de dezembro em Araraquara, no Uivo Fest, ao lado de Hellside, Cáustico e Sol da Meia Noite. Um evento com mulheres e travestis daqui e região.

Também estamos com nova formação agora, o baterista Roberto Schiavon estreia nesse show em dezembro.

Alguns integrantes da banda são bem ativos na cena da região, tanto se apresentando, quanto na organização de shows. Como é a cena na região de Araraquara?

Eu costumo fazer uns fests volta e meia, senão eu não toco. Interior é mais na raça mesmo, são poucos espaços pra shows e etc.

Em Araraquara as coisas estão voltando a rolar, tem uma cena forte entre as bandas de hardcore e metal, mas faltam mulheres, falta incentivo… Aqui é só La Burca e Hellside (banda do final dos anos 80, da guitarrista Flavinha Antunes) com minas à frente. E tem um projeto massa de travestis rolando, Sol da Meia Noite, e a galera da Travada, um coletivo bem atuante.

Araraquara é uma cidade que acolhe e incentiva LGBTs, tem política pública aplicada mesmo. Liniker é daqui, né. Há uma cena muito diversa, com bandas instrumentais, jazz, chorinho, MPB…

Já em São Carlos [cerca de 45 km de Araraquara] o rolê é bem legal, com linguagens mais underground, uma cultura mais D.I.Y., são cenas bem diferentes que se complementam.

Últimas considerações, algum recado?

Seja sincera, faça você mesma e não prejudique ninguém. As cenas se fortalecem com originalidade, potência criativa e vivência, não com mediocridade, rasteira e mentiras. Infelizmente ainda há posers que se infiltram atrás de grana e status no underground. O lance é sempre saber discernir e boicotar parasitas. Não estamos livres deles, ainda mais em tempos tão distópicos.

Eu acredito em pequenas redes de apoio, em zines, em xerox, em discos de vinil, e em palcos sujos e potentes onde possamos ser nós mesmas.

Ah, e estamos com agenda aberta pra 2023, chama noise!

A discografia de La Burca está disponível no Bandcamp e nas redes de stream, e para adquirir uma cópia do vinil “A Divina Tragédia – Purgatório”, é só entrar em contato com a banda pelas redes sociais.